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No Expresso Político de hoje vamos falar sobre a força política das comunidades evangélicas em 2018 transformou a paisagem eleitoral e deixou marcas que seguem moldando a política conservadora brasileira.
Nas últimas décadas, o eleitorado evangélico no Brasil — especialmente as correntes pentecostais e neopentecostais — cresceu significativamente, atingindo cerca de 30% do eleitorado nas eleições de 2018. Esse movimento representou não apenas uma força política emergente, mas um fator decisivo na vitória do candidato conservador, consolidando um alinhamento entre valores religiosos e agenda pública.
Este artigo retoma esse episódio eleitoral para verificar se esse apoio foi apenas circunstancial ou algo com impactos duradouros. Vamos analisar o peso real desse contingente na formação de um bloco conservador robusto, tanto nas urnas quanto nas esferas legislativas, e avaliar como essa mobilização se traduziu em trocas políticas, influência institucional e transformação do debate sobre fé e política no país.
O perfil do eleitorado evangélico em 2018
Crescimento numérico até 2018
Nas décadas anteriores, o Brasil passou por uma transformação religiosa profunda. O salto mais significativo foi observado entre os neopentecostais, com crescimento exponencial desde os anos 1970. Até 2019, cerca de 31% da população brasileira declarou-se evangélica — quase toda oriunda desses movimentos pentecostais .
Esse crescimento não apenas alterou o panorama religioso, mas criou um novo bloco eleitoral numeroso, organizado e expressivo — com força especialmente nas regiões urbanas e periféricas.
Apoio decisivo em 2018
Na corrida presidencial de 2018, o eleitorado evangélico se apresentou como pilar sólido para o candidato conservador: cerca de 67% a 70% dos evangélicos votaram no nome conservador no segundo turno .
Esse apoio expressivo garantiu condições para uma vitória consistente, especialmente ao considerar a articulação interna das comunidades religiosas — onde se fortaleceu o lema não oficial de “irmão vota em irmão”, reforçando a lógica identitária do voto religioso .
Impacto prático no pleito
O peso eleitoral dos evangélicos foi decisivo na formação do eleitorado de cerca de 55% no segundo turno.
Essa massa crítica garantiu segurança eleitoral em regiões estratégicas, permitindo ao candidato conservador consolidar apoio antes de 2018 no Congresso e nas lideranças religiosas.
Resumo da seção: Em 2018, o eleitorado evangélico emergiu como força política decisiva, combinando crescimento demográfico e apoio massivo — elementos fundamentais para a queda de 67–70%, que ajudaram a definir o resultado das eleições presidenciais e pavimentaram o caminho para inserção política institucional do grupo.
Motivadores de voto: valores, moralidade e identidade
A adesão massiva do eleitorado evangélico à candidatura conservadora em 2018 não foi um fenômeno exclusivamente pragmático — teve fortes raízes morais, culturais e identitárias, fortemente mobilizadas ao longo da campanha.
Valores tradicionais como pilar
A defesa da família tradicional, a oposição à pauta de gênero e a crítica à “ideologia cultural progressista” tornaram-se eixos centrais do discurso que dialogou com as igrejas evangélicas. Palavras de ordem como “Deus, pátria, família e liberdade” ressoaram com força nos púlpitos e grupos religiosos, conectando fé e política em um campo simbólico compartilhado.
Esse apelo à moralidade e ao combate ao “relativismo ético” foi traduzido em promessas de proteção a princípios bíblicos, revisão de políticas de sexualidade nas escolas e valorização da liberdade religiosa, gerando uma convergência de interesses entre setores conservadores da política e lideranças religiosas.
Política identitária: “irmão vota em irmão”
A lógica do “irmão vota em irmão” consolidou um mecanismo de engajamento afetivo e ideológico. Mais do que racionalidade política, tratava-se de pertencimento: votar em um candidato que verbalizava os códigos e valores da fé cristã reforçava o sentimento de comunidade e missão espiritual.
Esse componente de identidade religiosa transformou o voto em um ato de fé e militância moral, especialmente em meio à retórica de enfrentamento cultural, que pintava as eleições como um embate entre “luz e trevas”, “cristãos e comunismo”, ou “bem e mal”.
Reforço institucional e narrativo
Além do discurso, lideranças religiosas utilizaram seus espaços de comunicação — cultos, rádios, redes sociais — para reforçar essa identidade política. Esse ambiente estimulou o voto em figuras alinhadas com o discurso cristão conservador, muitas vezes sem necessidade de propostas concretas, apenas com base na simbologia moral e ideológica.
A organização institucional: bancada evangélica e frente parlamentar
Estrutura e crescimento da Frente Parlamentar Evangélica
A Frente Parlamentar Evangélica, também conhecida como Frente da Bíblia, foi formalmente reconhecida em 2015 diante do crescimento expressivo de parlamentares evangélicos. Destinada a unir deputados e senadores em torno de pautas morais, educacionais e familiares, a frente passou a ter status institucional com direito a estrutura própria, orçamento e regularidade de reuniões .
O grupo mantém uma composição plural, incluindo membros de diversas denominações (Assembleias de Deus, Universal, Batista e outras). Após a eleição de 2018, esse bloco ganhou ainda mais força — reunindo cerca de 180 a 200 parlamentares, incluindo aproximadamente 202 deputados federais e 26 senadores em 2024 . Esse número demonstra a robustez da frente, tornando-a um dos maiores grupos suprapartidários no Congresso.
Aumento na representação no Congresso após 2018
Segundo dados do DIA P e EBC, a bancada evangélica na Câmara saltou de aproximadamente 75 deputados para cerca de 84–91 em 2018 . Esse crescimento resultou em forte presença no início da 56ª legislatura (2019–2022), com cerca de 195 deputados e 8 senadores formalmente inscritos na frente .
Graças a essa expansão, o grupo assumiu papel decisivo na formação de coalizões, muitas vezes atuando em conjunto com outras bancadas conservadoras — como a ruralista e a da segurança — compondo o chamado trio “BBB” (Boi, Bíblia e Bala), influenciando temas políticos sensíveis como famílias, armas e pautas fiscais .
A Frente Parlamentar Evangélica transformou-se de um grupo informal em uma força estruturada e institucionalizada. Com crescimento quantitativo e fortalecimento das bases organizacionais, o bloco consolidou-se como protagonista na política conservadora pós-2018 — possuindo poder de articulação importante nas casas legislativas, recursos administrativos e agenda própria que ecoa ideias centrais do eleitorado evangélico.
Consequências legislativas pós-eleição
Após 2018, o fortalecimento da bancada evangélica transformou-se em influência visível no Congresso — não apenas em quantidade, mas em pautas legislativas que refletem suas crenças e valores.
Pressão por pautas religiosas
A bancada foi protagonista na defesa de projetos que ampliam restrições ao direito ao aborto, como o PL 1904/2024, que pretende equiparar o aborto após 22 semanas a homicídio — uma iniciativa da Frente Parlamentar Evangélica apoiada por lideranças cristãs .
Também pressionou por propostas voltadas à educação moral, como o movimento “Escola sem Partido”, e questões ligadas à liberdade religiosa, buscando reforçar o ensino de valores tradicionais e fortalecer identidade cristã na esfera pública .
Impacto prático na agenda pública
Projetos com impacto direto nos currículos escolares, que visam limpar as escolas de conteúdos considerados “ideologia de gênero”, foram apresentados por representantes influenciados pelo entorno evangélico .
A bancada reforçou sua capacidade de negociação da agenda legislativa, integrando-se a frentes como a da “Família” e a Pró-Vida, alcançando avanço em propostas que refletem sua visão moral na educação e nas políticas públicas .
A atuação também foi reforçada em áreas como segurança pública e valores tradicionais, com atuação cruzada junto a outras bancadas conservadoras como ruralista e da bala .
A bancada evangélica, agora institucionalizada e com força ampliada, transformou seu apoio eleitoral em capacidade real de influenciar o conteúdo das leis. Desde a restrição ao aborto até a ideologia em sala de aula, sua atuação mostra que, após 2018, o grupo deixou de ser apenas componente eleitoral para se tornar protagonista ativo da agenda moral e cultural do país.
O legado político: continuidade e consolidação no pós2018
Alianças com o campo conservadorliberal
Após 2018, o eleitorado evangélico deixou de ser apenas uma força de campanha para se consolidar como aliado estratégico em eleições seguintes. O Partido Republicanos, por exemplo, rebatizou-se de “Republicanos” em 2019, com manifesto que enfatizava valores familiares e liberalismo econômico — ganhando maior sinergia com a base conservadora do governo .
Esse reposicionamento reforçou as alianças entre representantes evangélicos e outros partidos de centrodireita, formando um núcleo estável dentro do chamado “BBB” (Bíblia, Bala e Boi) — influente bloco parlamentar dedicado à pauta conservadora .
Transformação em ator orgânico na política
Com a reestruturação partidária e o fortalecimento institucional da Frente Parlamentar Evangélica, os evangélicos passaram a atuar como força política permanente, e não apenas como eleitorado de campanha. Hoje, são parte ativa na formulação de leis e na definição de rumos do Congresso, com atuação expressiva em temas sociais e econômicos.
Segundo pesquisa de 2025, o crescimento das comunidades pentecostais está diretamente ligado ao aumento de apoio eleitoral a candidatos identificados como conservadores — mostrando a capacidade contínua de mobilização e influência do bloco religioso .
O apoio em 2018 deu origem a um legado concreto: evangélicos se tornaram atores permanentes no cenário político. As alianças se mantêm firmes, com partidos reforçando valores conservadores-liberais, e a bancada evangélica opera como componente institucional ativo, conectado às decisões legislativas em curso. Assim, o grupo se consolidou como força orgânica, articulada e de longo prazo — bem além da urna.
Limites e críticas
A crescente influência política do evangelismo conservador no Brasil, especialmente após 2018, trouxe à tona algumas preocupações significativas sobre os limites dessa força, sua relação com o Estado laico e os desafios à pluralidade religiosa.
Risco de viés teocrático e fragilização do Estado laico
Especialistas em democracia relataram uma tensão crescente entre o fortalecimento da influência evangélica e a garantia de laicidade do Estado. A aliança entre conservadorismo político e frentes evangélicas tem sido apontada como sintoma de um “nacionalismo cristão” que pode ameaçar o equilíbrio constitucional entre religião e poder público .
Alertas foram feitos sobre o perigo de que iniciativas religiosas passem a guiar decisões legislativas de forma implícita — sem o devido debate público — favorecendo agendas religiosas e restringindo direitos de segmentos minoritários.
Debates sobre representatividade e pluralidade religiosa
O poder organizado da bancada evangélica gerou reação em setores laicos e em grupos religiosos não cristãos, como candomblé e umbanda, que reivindicam espaço e respeito institucional.
Organizações civis, como o Brasil para Todos, intensificaram protestos contra símbolos religiosos em espaços públicos, insistindo na separação clara entre Estado e fé .
A expansão do grupo evangélico na política gerou questionamentos sobre até que ponto o Estado pode ser capturado por uma única interpretação religiosa, em detrimento da multiplicidade cultural e religiosa em vigor.
Enquanto os evangélicos consolidam sua representação política, cresce o debate sobre os limites dessa influência: qual o ponto em que devoção se torna pressão institucional? E em que momento a defesa de valores bíblicos inicia o apagamento da diversidade democrática?
Essas são questões centrais num país onde a religião é parte significativa da vida pública — mas que, constitucionalmente, também exige neutralidade do Estado. A evolução desse embate será decisiva para definir se, no futuro, prevalecerá um pluralismo institucional ativo ou uma hegemonia religiosa disfarçada.
Conclusão
A eleição de 2018 marcou um divisor de águas na política brasileira, revelando o peso real e organizado do eleitorado evangélico. Muito além de votos, o segmento demonstrou coesão estratégica, capacidade de mobilização e influência direta nas urnas e nos corredores do Congresso.
Esse apoio resultou em um legado duradouro: a institucionalização do eleitor evangélico como ator político e parlamentar. A presença fortalecida na Câmara, o avanço de pautas moralistas e o alinhamento com blocos conservadores consolidaram a atuação evangélica não apenas como base eleitoral, mas como força que molda agendas públicas, reformas e narrativas nacionais.
No entanto, como vimos, essa força também levanta questionamentos importantes: qual é o limite entre representação legítima e imposição religiosa? Como equilibrar convicções pessoais com o compromisso democrático e plural?




