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No Expresso Político de hoje vamos falar sobre os debates sobre governabilidade, articulações discretas e disputas de poder: como uma liderança parlamentar está impulsionando a proposta de mudança no regime de governo.
A proposta de adotar um sistema semipresidencialista no Brasil — que mistura características do parlamentarismo e do presidencialismo — voltou à tona com uma PEC em tramitação. A ideia é transferir os poderes executivos do presidente para um primeiroministro responsável pela gestão diária, enquanto o presidente atuaria como chefe de Estado e comandante das Forças Armadas .
Esse movimento ganhou força no início de 2025, impulsionado por declarações de lideranças no comando da Câmara, que passaram a apoiar a criação de uma comissão especial para discutir a mudança constitucional . O debate acendeu discussões tanto sobre a eficiência do governo quanto sobre o amadurecimento democrático do país.
Este artigo visa expor os bastidores dessa tramitação: como lideranças parlamentares organizaram o avanço da PEC, quais estratégias foram empregadas, quais resistências surgiram e o que está em jogo em torno dessa proposta de mudança de regime.
A proposta de semipresidencialismo
O que é o semipresidencialismo?
No modelo de sistema semipresidencialista, o poder executivo é dividido entre duas figuras: o presidente, eleito diretamente pelo povo, que assume o papel de chefe de Estado e mantém prerrogativas diplomáticas e militares; e o primeiro-ministro, responsável pela condução do governo no dia a dia e sujeito à confiança do Congresso .
Essa estrutura difere do presidencialismo atual, no qual o presidente acumula as funções de chefe de Estado e chefe de governo, concentrando poderes executivos e políticos .
Objetivos oficiais da proposta
A PEC defende que o semipresidencialismo traria uma série de benefícios institucionais:
Maior governabilidade, permitindo trocar o primeiro-ministro sem precisar recorrer ao processo de impeachment.
Eficiência administrativa, ao concentrar as funções executivas no primeiro-ministro e reduzir política nos gabinetes.
Equilíbrio institucional, com o presidente mantendo função simbólica e diplomática e o parlamento ganhando mais controle sobre o governo .
Modelos comparados para inspiração
Países como França e Portugal são frequentemente citados como exemplos bem-sucedidos de semipresidencialismo: neles, o presidente detém poder sobre as Forças Armadas e os rumos diplomáticos, enquanto o primeiro-ministro conduz a administração interna do país .
Em tais sistemas, o parlamento exerce forte influência na escolha e manutenção do primeiro-ministro — via moções de confiança ou censura — o que confere flexibilidade política sem rupturas institucionais profundas .
Resumo: A PEC busca híbrido entre os regimes presidencialista e parlamentarista, pretendendo fortalecer o equilíbrio institucional e a governabilidade no Brasil. Nos próximos capítulos, vamos destrinchar como as lideranças parlamentares estão costurando apoio — e resistência — para essa mudança de regime.
O papel da liderança da bancada proponent
Quem está à frente da articulação na Câmara
O movimento pela PEC do Semipresidencialismo tem sido impulsionado por uma liderança de bancada, ocupante do cargo de líder do partido majoritário na Câmara. Essa posição estratégica permite coordenar ações, reunir assinaturas para a PEC, costurar apoio junto a outras legendas e dialogar diretamente com o presidente da Casa — que publicou manifestações públicas favoráveis à proposta, reafirmando o debate institucional .
Como está estruturando o apoio interno
A liderança de bancada tem adotado três linhas de ação:
Mobilização formal: articulação com vários partidos para coletar mais de 171 assinaturas necessárias ao andamento da PEC, incluindo bancadas ideológicas e regionais .
Diálogo institucional: pressão sobre o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para que a PEC seja pautada, além da criação de grupos de trabalho voltados a discutir mérito e impactos .
Conexão ideológica: a liderança promove palestras e audiências públicas com parlamentares alinhados aos valores conservadores e liberais, apresentando o semipresidencialismo como solução à crise de governabilidade e fortalecimento do Parlamento.
Motivações políticas e institucionais
Os argumentos centrais da liderança são:
Governabilidade aprimorada: o novo modelo permitiria demissão do primeiro-ministro sem impeachment, tornando o Executivo menos vulnerável a crises políticas .
Equilíbrio institucional: o sistema fortaleceria o Legislativo, exigindo coalizão para indicação e manutenção do primeiro-ministro, enquanto o presidente preserva sua função simbólica.
Pressão por reformas estruturais: a agenda do semipresidencialismo também serve para impulsionar outras pautas, como o voto distrital misto, institucionalizando o protagonismo da Câmara .
Em resumo, a liderança da bancada proponente articula estrategicamente a PEC a partir de seu poder institucional, combinando mobilização política, influência nos ritos legislativos e discurso cuidadosamente alinhado com a pauta da governabilidade e do equilíbrio de poderes.
Articulações políticas e institucionais
A tramitação da PEC do semipresidencialismo tem sido marcada por uma atuação estratégica da presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, além de costura política intensa nos bastidores para garantir o avanço da proposta.
A atuação da presidência da CCJ
A aprovação da admissibilidade da PEC depende diretamente da decisão do presidente da CCJ, que controla a pauta e a escolha do relator. Com a designação da PEC para análise, a presidência passou a ser alvo de pressão institucional por diversos partidos que desejam definir o ritmo de tramitação . A apresentação oficial do texto ocorreu ainda em fevereiro de 2025, seguida da coleta das 171 assinaturas necessárias .
Movimentos nos bastidores: reuniões e construção de maioria
Desde então, lideranças de bancada promovem uma série de contatos — formais e informais — com a presidência da CCJ, com lideranças partidárias e com o Senado, buscando selar compromissos. Trata-se de uma articulação cuidadosa: é necessário convencer tanto os presidentes de comissão quanto garantir o apoio de governistas, oposicionistas e do chamado Centrão .
Inserção estratégica da pauta no calendário legislativo
Parte da construção envolve manter o tema vivo no calendário legislativo. Após as assinaturas, buscou-se definir a PEC para o próximo trimestre, quando a Câmara retomou suas atividades pós-Carnaval. A mobilização da presidência da CCJ e da liderança da base foi decisiva para manter o tema em evidência nas primeiras semanas do ano legislativo .
Essas articulações mostram que a aprovação de uma PEC de regime exige mais do que texto jurídico: depende de jogadas orquestradas, que envolvem comissões, líderes e o alinhamento entre Câmara e Senado. O êxito ou o veto dessa estratégia definirá os rumos da discussão constitucional no país.
Bases de apoio e resistência
A tramitação da PEC do semipresidencialismo reflete fortes divisões entre os que veem na proposta um avanço institucional e os que receiam riscos à democracia. Veja quem está com a iniciativa… e quem se posicionou contra:
Bancadas e segmentos favoráveis
Grupos conservadores e liberais, que argumentam que um sistema híbrido traria mais estabilidade institucional, apoiam a PEC. Para esses parlamentares, o semipresidencialismo fortalece o Legislativo e diminui os riscos de crises políticas.
Bancadas regionais, especialmente representantes de estados federados, avaliam que o novo modelo facilitaria a articulação local de governos com o Executivo, tornando a gestão mais reactiva e menos centralizadora.
Partidos de centro-direita veem a proposta como uma oportunidade de ampliar a influência parlamentar, reforçando a ideia de que o Congresso tem maior controle sobre o rumo do governo.
Resistência no governo e entre opositores
Membros do Executivo demonstraram cautela, mencionando que a mudança de regime exigiria profundo debate popular — votações rápidas, sem apoio robusto, poderiam fragilizar a estabilidade institucional.
Partidos de centro-esquerda e de oposição criticaram a proposta, afirmando que o semipresidencialismo poderia concentrar poder informalmente na Presidência, sem garantias reais de governabilidade.
Também se posicionaram contrários alguns líderes de legendas independentes, com receio de que o modelo favoreça movimentos autoritários e tire o foco das reformas prioritárias, tais como tributária e administrativa.
Inovação institucional x concentração de poder
Essa tensão resume o cerne do debate:
Em síntese, a PEC tem forte apelo entre quem busca mecanismos contrabalançados de poder. No entanto, suas bases ainda precisam se enfronhar com a oposição política, que aponta conflitos institucionais e questiona até onde a mudança é realmente democrática — e não apenas simbólica.
Comunicação e posicionamento público
A defesa da PEC do semipresidencialismo foi acompanhada por uma estratégia de comunicação cuidadosa, orquestrada pela liderança parlamentar e refletida nos meios de comunicação e debates públicos.
Estratégia comunicacional adotada pela liderança
A liderança da bancada proponente adotou uma abordagem multifacetada:
Vídeos e audiências públicas foram realizados nas redes sociais, com explicações sobre o sistema semipresidencialista e seus benefícios, buscando popularizar o tema entre a opinião pública .
O discurso defendia que o modelo híbrido traria maior estabilidade e governabilidade, com possibilidade de troca de primeiro-ministro sem a necessidade de impeachment — um argumento repetido para justificar a mudança institucional .
Discurso nas redes, entrevistas e eventos institucionais
Em plataformas digitais, perfis institucionais da Câmara divulgaram a PEC como “aperfeiçoamento do presidencialismo” e promoveram debates didáticos que explicavam o funcionamento dos dois chefes — presidente e primeiro-ministro — como equilíbrio de poderes .
A liderança também participou de entrevistas em rádios, TV e podcasts, com ênfase em mensagens de maturidade democrática e profissionalização da política, destacando experiências estrangeiras bem-sucedidas como França e Portugal.
Reação da imprensa e comentaristas
A mídia especializada noticiou que a PEC despertou discussões intensas, mas ainda não avançou na CCJ — ressaltando que a pauta “divide opiniões no Legislativo” .
Comentaristas políticos avaliam o movimento como um teste institucional relevante, mas ressaltam a necessidade de maiores debates com a sociedade antes de uma aprovação conclusiva — em especial, a necessidade de avaliar o impacto na estabilidade democrática e no equilíbrio entre os Poderes .
Resumo: A comunicação da PEC trabalhou intensamente para construir legitimidade à mudança de regime, utilizando linguagens acessíveis e institucionalizadas. No entanto, críticas persistem sobre o ritmo da proposta e os riscos institucionais envolvidos — revelando que, mesmo com narrativa eficiente, a aceitação pública ainda está em construção.
Críticas técnicas e institucionais
Apesar do entusiasmo dos defensores do semipresidencialismo, especialistas apontam questões centrais que merecem atenção cuidadosa:
Opiniões de juristas, cientistas políticos e economistas
Juristas alertam que a PEC pode violar cláusulas pétreas — princípios implícitos na Constituição que garantem a forma federativa de estado e a separação de poderes, sugerindo que mudanças profundas no regime presidencialista podem ser juridicamente inconstitucionais .
Cientistas políticos observam que sistemas semipresidencialistas tendem a gerar “coabitação” — situações nas quais presidente e primeiro-ministro pertencem a grupos políticos opostos, o que pode desencadear instabilidade e confusão sobre responsabilidades executivas .
Temor de instabilidade e sobreposição de poderes
A mudança representa um risco de sobreposição de competências: quem decide sobre Orçamento, relações diplomáticas ou comando das Forças Armadas? A divisão confusa de papéis pode resultar em bloqueios institucionais .
Em vez da estabilidade prometida, há o receio de que o movimento se torne um ciclo permanente de troca de primeiro-ministro, subvertendo a ideia de governabilidade e podendo intensificar crises políticas .
Reflexão conservadora sobre mudanças em tempos de crise
Do ponto de vista conservador, grandes reformas institucionais devem ocorrer em contextos estáveis e com respaldo popular — não apenas por lógica de governabilidade. Uma alteração tão profunda pode fragmentar ainda mais os poderes, sem garantir efetividade .
A experiência histórica do Brasil mostra que, em períodos políticos conturbados, as reformas têm mais chance de fracassar ou gerar resultados imprevistos, como ocorreu em outras transições institucionais .
Síntese: Embora o semipresidencialismo prometa resolver entraves do presidencialismo brasileiro, juristas, economistas e analistas apontam riscos reais à estabilidade institucional — a proposta pode conflitar com cláusulas pétreas, gerar coabitação conflituosa e subverter funções do Executivo. A mudança é uma faca de dois gumes, e exige debate aprofundado, não apenas técnica legislativa, mas popularidade social e maturidade política para evitar efeitos colaterais perigosos.
Perspectivas de tramitação
Situação atual da PEC
A PEC do semipresidencialismo (PEC 2/2025) já passou da fase inicial de coleta de assinaturas — com 179 apoios necessários — e foi protocolada em fevereiro na Câmara . Agora, aguarda análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, onde será avaliada sua admissibilidade jurídicoconstitucional . Após possível avanço na CCJ, virá a criação de uma comissão especial e, em seguida, a votação em dois turnos no plenário — exigindo apoio de 3/5 dos deputados .
No Senado, espera-se tramitação similar: análise na CCJ, seguida por voto em plenário também em dois turnos com quórum qualificado de 3/5 dos senadores .
Possibilidades de votação ainda nesta legislatura
Apesar de o calendário ser apertado, o ambiente político tem dado sinais de disposição para acelerar a tramitação ainda em 2025. Líderes controlam a pauta da CCJ e manifestaram expectativa de votar no plenário da Câmara ainda neste ano, caso o ritmo se mantenha . Caso isso ocorra, o Senado poderia analisar a matéria antes do fim desta legislatura — embora esse cenário dependa de sintonia entre as lideranças e das prioridades do governo.
Influência nas disputas eleitorais de 2026
A PEC projeta efeitos que vão além da estrutura do Estado:
Eleitoralmente, uma eventual votação favorável anteciparia debates institucionais para a campanha de 2026, já com o modelo semipresidencial mostrando vantagem frente ao presidencialismo tradicional.
Politicamente, partidos alinhados à proposta podem utilizá-la como marca eleitoral — o que pode influenciar alianças, mobilização partidária e posicionamento de candidaturas.
Institucionalmente, um ambiente favorável a inovações constitucionais pode abrir precedentes para outras reformas — como distrital misto, mudanças no sistema eleitoral ou no pacto federativo.
Resumindo, a tramitação ainda está no começo, mas tem respaldo político e momentum para avançar. Se a CCJ aprovar e a Câmara votar com maioria qualificada, o caminho para o Senado estará aberto — definindo o semipresidencialismo não apenas como debate acadêmico, mas como tema eleitoral e operativo para o Brasil de 2030.
Conclusão
A PEC do Semipresidencialismo expôs, mais uma vez, as tensões históricas entre governabilidade e representatividade no Brasil. A proposta, embora revestida de discurso técnico e modernizador, está imersa em um jogo político complexo, onde interesses institucionais, partidários e eleitorais disputam protagonismo.
Por um lado, há a promessa de estabilidade, eficiência administrativa e fortalecimento do Parlamento. Por outro, pairam dúvidas legítimas sobre a motivação real por trás da mudança de regime, especialmente diante da ausência de amplo debate público e da aceleração na tramitação da proposta. O risco de uma transição precipitada, sem consenso social, não pode ser subestimado.
Neste cenário, o Congresso assume papel central como guardião (ou transformador) do pacto constitucional. Cabe ao Legislativo deliberar com responsabilidade, sensibilidade histórica e respeito à soberania popular. E cabe à sociedade civil, à imprensa e aos cidadãos vigiar, questionar, pressionar.
Reformas estruturais, como a que se propõe, não podem ser tratadas como simples acordos de bastidor. Elas moldam o futuro institucional do país — e por isso devem ser acompanhadas de perto, com participação ativa da população.




