O papel do relator da Reforma Tributária: bastidores de uma articulação decisiva

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No Expresso Político de hoje vamos muito além dos holofotes: como a atuação nos bastidores do Relator da Reforma Tributária foi decisiva para costurar votos, enfrentar pressões e aprovar um dos textos mais complexos da política recente.

Em meio a discursos públicos e promessas de modernização tributária, uma figura muitas vezes subestimada teve papel central no avanço da proposta: o relator da Reforma Tributária. Longe de ser apenas um técnico redator de textos legislativos, esse ator político se tornou o principal articulador de interesses diversos — muitos deles antagônicos — dentro e fora do Congresso Nacional.

Num sistema político que funciona sob a lógica de coalizões, emendas e pressões setoriais, o relator assume a responsabilidade de transformar um projeto complexo em algo minimamente consensual. No caso da Reforma Tributária, isso significou operar em diversas frentes: diálogo com lideranças partidárias, negociações com setores empresariais, escuta ativa das bancadas regionais e alinhamento com o governo federal.

A atuação do relator revela como a política real é feita nos bastidores — em reuniões fechadas, em jantares discretos, em trocas de apoio que nem sempre aparecem nas notas oficiais. Este artigo tem como objetivo justamente isso: expor os mecanismos políticos que tornaram possível a aprovação da Reforma, mostrar onde houve concessões, como os acordos foram costurados e o que isso significa para o futuro da política tributária no país.

A figura estratégica do relator

No universo do processo legislativo, o relator é mais do que um intermediário entre o texto e o plenário: ele é, muitas vezes, o arquiteto político da proposta. Especialmente em reformas estruturantes como a tributária, essa figura ganha relevância singular por concentrar responsabilidades técnicas e políticas em uma só função.

Do ponto de vista institucional, cabe ao relator analisar os projetos, propor substitutivos, articular pareceres e consolidar sugestões vindas de parlamentares, partidos, entidades representativas e órgãos técnicos. Mas, na prática, a função vai muito além da técnica: envolve saber negociar, medir forças, identificar pontos de ruptura e construir caminhos viáveis entre o ideal e o possível.

No caso da Reforma Tributária, a habilidade política do relator foi o ponto de virada. O desafio era monumental: tratar de um tema impopular entre empresários, sensível para estados e municípios, tecnicamente complexo e repleto de armadilhas eleitorais. Não bastava entender de sistema tributário — era preciso traduzir interesses conflitantes em um texto aceitável por diferentes blocos parlamentares e setores da sociedade.

Essa dualidade entre autoridade técnica e capacidade de negociação transformou a relatoria em peça-chave da engrenagem política. O relator precisou atuar como mediador entre o Executivo e o Legislativo, como intérprete das demandas econômicas e, por vezes, como árbitro silencioso entre os interesses difusos que disputavam espaço no texto.

Ao final, a função se tornou o principal ponto de convergência da reforma. Sem o protagonismo de um relator estrategicamente posicionado, com trânsito entre diferentes bancadas e sensibilidade para ceder sem perder o eixo da proposta, dificilmente o projeto teria avançado com a velocidade e abrangência observadas.

Os bastidores da articulação

Nos bastidores da Reforma Tributária, a relatoria funcionou como centro nervoso de uma operação política integrada. A marca do relator pouco aparece nos discursos públicos: seu poder opera nos corredores, onde tece acordos essenciais ao avanço da pauta.

Reuniões com líderes partidários e bancadas temáticas

O relator manteve diálogos constantes com representantes dos principais blocos da Câmara — como Centrão, oposição liberal e bancadas regionais. Eram reuniões semanais para mapear acordos necessários e antecipar resistências. A logica: costurar apoio corretamente evita surpresas em plenário.

Além disso, os encontros com bancadas temáticas — como a agropecuária, microempreendedorismo e indústria — foram fundamentais para identificar demandas específicas a serem incluídas durante a tramitação. Esses encontros costumavam preceder a inclusão de trechos que asseguravam crédito tributário, isenções ou regimes simplificados.

Abertura para sugestões de setores econômicos e entes federativos

Com aval institucional, a relatoria promoveu ciclos de consulta com entidades como CNA, FIESP, FEBRABAN e conselhos representativos de estados e municípios. Técnicos desses grupos apresentaram planilhas de impacto, estudos de competitividade e solicitações formais de adaptação do modelo às necessidades regionais.

A fórmula foi interessante: “abraçamos tecnicamente a proposta, mas insistimos em ajustes em prol dos nossos”, segundo relato de um assessor presente, mantendo o discurso de modernização, mas garantindo que os beneficiários saíssem protegidos.

Encontros reservados, pressões diretas e consenso parcial

Os acordos finais se cristalizaram em encontros mais fechados — jantares políticos, almoços reservados e reuniões em gabinetes. A relatoria se fez presente não apenas para escutar, mas para negociar ritmos, prazos e concessões. Muitas vezes, pequenas mudanças no texto original surgiam em reuniões restritas, poucos dias antes da votação, indicando a pressão exercida por aliados estratégicos.

Esse modelo de articulação levou à construção de consensos parciais: nem todos obtiveram os benefícios desejados, mas cada grupo sentiu que teve voz suficiente para manter sua relevância política, evitando conflitos maiores em plenário.

Concessões, ajustes e recuos

Ao longo das negociações da Reforma Tributária, o texto original sofreu diversas modificações que refletem o embate entre pragmatismo político e viabilidade técnica, resultando em uma lei final marcada por concessões estratégicas.

Como o texto foi moldado

Desde o início, o relator ajustou prazos, definições e dispositivos para acomodar demandas políticas. O texto original, mais enxuto, foi compatibilizado com sugestões de diversos segmentos, em especial agro, serviço e indústria, o que resultou em um pacote menos uniforme e mais orientado a segmentos específicos.

Os saldos de créditos de IBS e CBS, que inicialmente seriam destinados apenas à Receita Federal, agora podem ser apropriados integralmente por alguns setores, como agronegócio e pequenas empresas, para reduzir seus custos tributários — um claro recuo técnico em favor de interesses setoriais .

Regimes especiais e exceções como moeda de troca

Diversos regimes específicos (tax regimes) foram ampliados no texto final:

Monofasia nos combustíveis: manteve-se o recolhimento concentrado, excluindo créditos em etapas posteriores, beneficiando produtores e distribuidores .

Créditos presumidos (e.g., insumos agrícolas e Fomentos): aparecem para proteger setores específicos durante a transição tributária prolongada (até 2028) .

Créditos condicionais: como em benefícios trabalhistas, que agora dependem de acordos coletivos para aproveitamento — significando mais proteção sindical e menos uniformidade tributária .

Equilíbrio entre técnica e política

Essas adaptações representam o equilíbrio tênue entre dois objetivos:

Assegurar a viabilidade política da reforma — evitando votação derrotista, conquistando apoio governista e do Centrão.

Conter a perda de fundamento técnico da proposta — mantendo princípio da não cumulatividade e criando comitê gestor para garantir práticas coordenadas entre os entes federativos .

O resultado foi um texto híbrido: tecnicamente avançado e mais moderno, mas politicamente adaptado a caber na mão de quem decide os votos — o que sacrifica parte da igualdade tributária prometida.

Em resumo, a Lei Complementar 214/2025 é produto de uma negociação intensa, que mostra como estruturas institucionais, prazos e interesses setoriais podem ajustar profundamente uma proposta de reforma, até transformar seu perfil original. A flexibilidade política garantiu aprovação, mas trouxe consigo uma reforma menos universal do que se imaginava.

Comunicação e imagem pública

A engenharia por trás da Reforma Tributária não foi promovida apenas nos gabinetes — sua narrativa pública foi cuidadosamente construída para transmitir neutralidade, equilíbrio e modernização, mesmo que o processo real tenha sido extremamente negociado.

Discurso oficial x bastidores

O discurso oficial destacou a reforma como um avanço técnico e democrático para simplificar o sistema — unificando tributos, eliminando cumulações e mantendo o compromisso com a carga tributária. Porém, esses discursos evitaram mencionar os ajustes setoriais e exceções incorporadas no texto ao longo da tramitação .

Enquanto isso, as articulações nos bastidores incluíam negociações com grupos econômicos e alinhamentos políticos condicionados à introdução de benefícios — fatos raramente explicitados no discurso público.

Legitimidade e posicionamento do relator

O relator adotou postura equilibrada e técnica, enfatizando a neutralidade fiscal e a preservação da estrutura do IBS e CBS. Ele buscou projetar uma imagem de árbitro isento, distanciando-se da ideia de “pacote de favores” e reforçando que eventuais ajustes visavam apenas garantir viabilidade política, sem comprometer a essência do projeto.

Esse posicionamento foi fundamental para garantir cobertura favorável da mídia e evitar desgastes políticos, mantendo o foco em temas consensuais como transparência, justiça tributária e alívio ao consumidor .

Mídia, empresariado e influenciadores

Mídia tradicional e especializada: veículos como Valor Econômico e Estadão repercutiram positivamente a reforma, descrevendo a unificação tributária como passo necessário ao crescimento econômico . Entretanto, análises mais aprofundadas frequentemente apontavam a tensão entre a neutralidade e os interesses setoriais.

associações como CNA, Fiesp, e FEBRABAN apoiaram publicamente o texto final, defendendo-o como favorável à competitividade e necessária para evitar distorções nos mercados .

Influenciadores políticos e formadores de opinião: personalidades engajadas na pauta liberal-conservadora usaram as redes sociais para reforçar a narrativa de reforma justa. Porém, notas técnicas e vídeos também ressaltaram os riscos das concessões — lembrando que o diabo, muitas vezes, está nos detalhes.

Em resumo, houve uma dupla operação comunicacional: a externa, focada em consenso e legitimidade, e a interna, marcada por concessões discretas. O relator foi hábil em projetar neutralidade, mas a cobertura real precisa considerar a tensão entre discurso e prática, essencial para compreender se a reforma de fato cumpre seu papel, ou apenas se adapta à correlação de forças do momento.

Impacto da atuação na política futura

A atuação do relator da Reforma Tributária foi fundamental para garantir a aprovação do texto, mas suas consequências vão além da conquista legislativa: ele potencializou ganhos políticos estruturais — e passa a lidar com riscos que podem ecoar em votações futuras.

Acúmulo de capital político no Congresso

Ao liderar um processo tão extenso e sensível, o relator consolidou-se como uma figura de peso no Parlamento. Ele demonstrou capacidade de negociação, articulação com líderes partidários e interlocução com setores empresariais e federativos — fatores que conferem prestígio e influência dentro de bancadas.

Essa visibilidade e capacidade de entrega fortalecem a sua posição nas negociações futuras — tanto como referência técnica, quanto como “porta-voz” em eventuais reformas administrativas, fiscais ou institucionais.

Abertura de portas para cargos e relatorias futuras

Na política, resultados transmitem poder. Por isso, a imagem de quem conseguiu levar uma reforma até o fim pode resultar em:

Novas relatorias importantes na Câmara ou no Senado (fundiária, administrativa, previdenciária),

Cargos no Executivo — especialmente em áreas de planejamento fiscal ou fazenda,

Mediação em acordos nacionais, visto que sua reputação agora transita com segurança entre Executivo e Legislativo.

Essa trajetória fortalece ainda mais sua influência, mas cobra responsabilidade: cada concessão feita agora será usada como referência em negociações futuras — tanto positivas quanto críticas.

Riscos de desgaste ou cobranças futuras

No entanto, toda vitória tem seu custo. A amplitude da reforma — marcada por regimes especiais e exceções setoriais — expõe o relator ao risco de críticas:

Grupos divergentes ou insatisfeitos podem reagir em votações posteriores, apontando a “falta de neutralidade” como argumento para barrar outras propostas ligadas a ele.

Eleitores e partidos contrários podem usar seus ajustes e recuos como golpe eleitoral, argumentando que a neutralidade fiscal foi apenas uma retórica usada para mascarar acordos.

Em caso de descumprimento de promessas de transição, acompanhamento da implementação e ganhos regionais, o relator poderá enfrentar resistência até dentro de sua própria base.

A posição conquistada pelo relator é inegavelmente poderosa — mas vem com fragilidades. Ele virou referência em temas fiscais e virou potencial nome de peso em futuras negociações, mas também se expôs a críticas severas quando o pacto entre técnica e política entrar em conflito. O equilíbrio entre credibilidade e pragmatismo será seu maior desafio daqui em diante.

Conclusão

A regulamentação da Reforma Tributária, sob o olhar crítico e detalhado, revela-se como um típico produto da política brasileira contemporânea: um projeto tecnicamente necessário, mas politicamente moldado para caber nos limites das alianças possíveis. O texto final aprovado reflete a soma de concessões, ajustes e estratégias que não apenas garantiram votos, mas também preservaram interesses já consolidados no jogo institucional.

Nesse processo, o relator da Reforma emerge como peça-chave. Mais do que um agente técnico, ele desempenhou um papel profundamente político: articulador de bastidores, gestor de pressões e fiador de consensos frágeis. Sua habilidade em equilibrar a narrativa pública com negociações privadas mostra como a política real se faz nos espaços menos visíveis — onde planilhas se encontram com promessas, e convicções com pragmatismo.

A atuação do relator é, portanto, um retrato fiel do Parlamento atual: onde quem entrega resultado ganha espaço, mas também se expõe ao escrutínio de um público cada vez mais atento e exigente. Ao mesmo tempo em que acumulou capital político, deixou rastros que exigem vigilância, especialmente na hora de julgar os impactos reais da reforma no bolso do cidadão comum.

A aprovação de uma reforma desse porte exige mais do que aplausos ou críticas pontuais. Exige acompanhamento constante, cobrança por coerência e fiscalização popular sobre como os acordos firmados serão implementados — e quem, de fato, sairá ganhando.

É essencial que o eleitor atento compreenda: a técnica pode abrir caminhos, mas é a política que define a direção. Por isso, acompanhar de perto a atuação de relatorias, votações estratégicas e bastidores do Congresso não é tarefa de especialistas — é dever de qualquer cidadão que preze por um Estado justo e eficiente.

A reforma foi aprovada, mas seu impacto será medido na prática. E, como sempre, a pergunta final que deve guiar o debate é: quem está pagando a conta?

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